sexta-feira, 11 de maio de 2012

Colégio estadual do Rio de Janeiro lança abaixo-assinado contra presença de PM na escola

Os profissionais de educação, alunos e responsáveis do C.E. Júlia Kubitschek estão recolhendo assinaturas para um documento que será enviado ao secretário de estado de Educação, Wilson Risolia, mostrando o repúdio desta unidade estadual contra a determinação do governo do Estado de colocar policiais militares armados dentro do espaço escolar. Veja abaixo o texto do documento:

Ao Sr. Wilson Risolia


Secretário Estadual de Educação

Abaixo-assinados

Nós, abaixo-assinados, que somos professores, funcionários de apoio, alunos e pais de alunos do Colégio Estadual Júlia Kubitschek, reivindicamos que a Secretaria de Estado de Educação retire os policiais militares de dentro de nossa escola.
Em mais de 50 anos de existência nossa escola jamais precisou desse tipo de profissional em seu interior. A instituição polícia militar é um aparelho de vigilância e combate ostensivos e a escola, ao contrário, é um lugar de confiança e colaboração distensivos, por isso a figura ostensiva do policial militar é estranha a todas as atividades escolares, às quais tal figura vem trazer tensão e ansiedade. A introdução de policiais na rotina interna da escola pode levar à perversão da função desta, que é uma declaração explícita de desconfiança em relação aos nossos alunos e demais membros da comunidade escolar. Em nossa escola não supostos bandidos que precisem estar sob vigilância policial, esta é bem-vinda no patrulhamento da rua General Caldwell e imediações, onde décadas nossos alunos, seus pais, professores e funcionários são vítimas de constantes assaltos, seja durante o dia ou à noite



Texto de uma profissional de educação sobre a presença policial dentro das escolas


Abaixo, publicamos também o texto de uma profissional de educação do Júlia Kubitscheck sobre a polêmica que a presença de policias está causando nas escolas.

UNIFORMES E FARDAS: “A VIGILÂNCIA CUIDA DO NORMAL”



Policiais militares fardados e armados farão a segurança, nos seus horários de folga, de alguns colégios da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Além de portarem armas, os policiais poderão revistar estudantes, caso, dizem as autoridades estaduais, a direção do colégio solicite. Essa ação, que deverá ser implantada em toda a rede pública de ensino do nosso estado, deve ser analisada e debatida por todos os envolvidos e a sociedade como um todo.

Ao tentar entender a proposta do governo estadual, lembrei da letra da músicaAdmirável gado novo”, de Ramalho, com destaque para a frase: “ a vigilância cuida do normal”, porque resume as distorções da proposta do governo.


A escola, um lugar de ensino e aprendizagem de conteúdos programáticos e, segundo as próprias autoridades governamentais (ver documentos oficiais), da cidadania, é percebida pelas mesmas como um espaço potencial da violência e da transgressão. Penso: o que essas autoridades desejam, realmente, ensinar aos jovens?


Os mecanismos socioeconômicos e políticos, a corrupção, a impunidade e o uso da estrutura governamental para atender interesses particulares, geradores da pobreza e da violência, não importam. O governo desenvolve ações paliativas e repletas de distorções, apresentando a possibilidade de um futuro promissor, enquanto o presente recebe remendos. O governo quer resolver a questão salarial  dos policiais, reconhecendo que os salários são baixos, sem mudá-la de fato. Além disso, o governo percebe os policiais como pessoas a um passo do mundo da criminalidade. Como não ganham salários dignos, os policiais poderiam participar de atividades ilegais nas horas de folga.  Sabemos que alguns policiais participam de atividades ilegais e nelas permanecem porque outras categorias estão envolvidas, via corrupção e impunidade.


A solução seria punir e melhorar os salários, mas o governo prefere o remendo: o bico oficial, ganhe agora e não pense no futuro ( o bico será incorporado à aposentadoria?). Pior, o bico em espaços que não formam criminosos, as escolas. O mais fácil e adequado, talvez, para o governo é considerar como classes perigosas, porque potencialmente capazes de se envolverem com o crime, os policiais, os alunos, os funcionários e os professores das escolas. Suspeitos tomam conta de suspeitos, enquanto a farra continua. É a vigilância cuidando do normal. 


Delírio? Não, basta ler a matéria publicada no jornal O Globo, de 3 de maio último. Um policial, responsável pela vigilância de um colégio localizado perto da Central do Brasil, declarou: “È como se eu tivesse fazendo meu trabalho normal de policial”. E, depois, acrescenta: “ Fico mais dentro. Aqui fora fico mais no horário da entrada e saída. A orientação é vigiar internamente (grifos meus) e vou atuar de acordo com a necessidade”. Pois


.é, a vigilância vai cuidar do normal, os que deveriam ser protegidos serão os vigiados. E os assaltos continuarão do lado de fora, bem como o vandalismo que ocorre nos fins de semana ou na madrugada quando as escolas estão vazias.


Indago também o que é o trabalho normal de um policial. No colégio esse trabalho seria anormal? Vigiar internamente o quê? Vai atuar de acordo com a necessidade, mas qual é a necessidade e como ela é determinada? A escola (o colégio)  passa a ser o espaço de suspeição da criminalidade, vigiada(o) por uma pessoa armada. Enquanto nos presídios, o comércio de armas e drogas e o planejamento de crimes continuam.


Na mesma reportagem, o Secretário Estadual de Segurança, José Mariano Beltrane, afirma que os policiais receberão um treinamento especial. Isto significa que os policiais começaram a desenvolver uma ação para a qual não estão preparados?


Não tenho medo dos alunos nem dos colegas de trabalho, mas temo uma pessoa armada no meu local de trabalho. Como continuarei temendo o entorno do colégio, local de assaltos constantes. A distorção é gritante, trabalhadores e jovens tratados como criminosos, a escola percebida como prisão, e os verdadeiros criminosos com liberdade de ação.


Reconheço que alguns alunos,  profissionais da educação e  policiais ( a mídia divulga) estão inseridos no crime, mas são alguns. Penso que uma vida digna e uma  sociedade mais justa representam o desejo da maioria, que procura agir no sentido de concretizar tais objetivos. Havendo suspeita ou denúncia, que a revista seja realizada fora da escola e dentro da lei. A vigilância também deverá ser externa, visando a proteção de todas as pessoas que circulam pelo espaço público.


Não sou criminosa, não formo nem cuido de  criminosos e quero ser tratada com dignidade. Talvez se o governo considerasse a educação como um investimento não empresarial nem político, mas fundamental para o desenvolvimento econômico do país, e o caminho para a formação de pessoas conscientes e éticas, a criminalidade diminuiria. E, assim, a polícia cuidaria   da “anormalidade”, ou seja,  dos crimes realizados por bandidos. Para finalizar, quem sabe as nossas autoridades não precisariam voltar aos bancos escolares?

Regina Maria F. C. Branco (Profª do Colégio Estadual Júlia Kubitschek)

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